Por que nem sempre lembramos dos sonhos?

Durante a nossa série sobre a memória, vale a pena fazermos um paralelo para falarmos dos sonhos. Passamos um terço da vida dormindo e, em uma parte desse período, sonhamos. No entanto, muitas vezes não conseguimos lembrar dos sonhos – e chegamos até a pensar que não sonhamos naquela noite. Em outras situações, até acordamos com algumas imagens em nossa mente, mas, passados alguns segundos, a lembrança vai embora e já não sabemos mais sobre o que era o sonho. Mas estudos já comprovaram que mesmo aquelas pessoas que acreditam não terem sonhado por meses seriam capazes de lembrar das imagens se fossem acordadas no momento certo.

Cada vez mais, pesquisadores que estudam os processos de nossa memória tentam explicar o que acontece enquanto dormimos que nos impede de recordar o que experimentamos durante a noite. Uma hipótese é o fato de que nem todas as áreas cerebrais entram no “modo sono” ao mesmo tempo, sendo o hipocampo uma das que “adormecem” por último. Seguindo essa teoria, o hipocampo seria também uma das últimas áreas a despertar. Isso faria com que, embora a gente pudesse ter o sonho na memória de trabalho quando acordasse, o nosso hipocampo ainda não estaria em condições de guardar essa informação por período longo.

Quando falamos em “adormecer” não significa que o hipocampo esteve inativo à noite. Na verdade, ele permanece bastante ativo durante o sono: estudos mostram que o hipocampo envia muitas informações ao córtex, embora não receba nenhuma. Isso parece explicar o trabalho dessa região na consolidação das memórias adquiridas ao longo do dia – o que, em grande parte, o impede de atentar para as novas informações que chegam durante a noite.

A queda na produção de dois importantes neurotransmissores (acetilcolina e noradrenalina) também parece estar relacionada à dificuldade de reter novos dados enquanto dormimos. Durante o sono REM (inglês para “rapid eye movement” – período em que os sonhos acontecem), os níveis de acetilcolina voltam a subir aos níveis em que ficam quando estamos despertos, porém a quantidade de noradrenalina permanece baixa. Os cientistas ainda não sabem de que forma essa balança bioquímica se relaciona com o esquecimento dos sonhos, embora muitos acreditem que ela possa ser um dos fatores que o determinam.

Assim como ocorre com os demais eventos de nossas vidas, também parece que somos capazes de nos lembrar melhor daqueles sonhos dotados de ricos conteúdos emocionais, sejam eles bons ou ruins. Isso faria com que os conteúdos menos relevantes ou pouco estimulantes emocionalmente não fossem registrados de forma mais duradoura.

Marina von Zuben é Neurocientista docente e pesquisadora do Hospital das Clínicas da USP, e Chief of Neuroscience and Learning da Bossa.etc