O maior banco de dados do mundo

Você sabe o que é memória? E qual o papel dela em nosso aprendizado? Vamos falar desse tema nos próximos artigos. Para deixar tudo bem explicado, teremos uma série de quatro capítulos sobre o assunto.  Neste primeiro traremos as definições de memória e aprendizagem, além de seus funcionamentos básicos. No segundo falaremos sobre os processos neurobiológicos - sobre como nosso cérebro armazena dados. O terceiro será dedicado a aspectos do dia-a-dia que impactam positiva ou negativamente nossa capacidade de reter informações e habilidades. O último capítulo da série trará estratégias e dicas para você melhorar sua memória e potencializar sua capacidade de aprender.  Muito já se estudou sobre o funcionamento da memória. Cientistas e filósofos se debruçaram sobre esse conceito e formularam teorias buscando entender a maneira como os seres humanos e outros animais são capazes de reter e evocar informações sobre as experiências que vivemos em nosso dia a dia. Do ponto de vista fisiológico, a aprendizagem e a memória são resultado de mudanças nos circuitos neurais em função da interação do indivíduo com o ambiente.

O que é memória?

A memória é o meio pelo qual se recorre às experiências do passado para fazer uso do presente. Ela envolve vários processos que conectam mecanismos associados ao armazenamento, retenção e recuperação de informações sobre experiências anteriores.  Os órgãos dos sentidos são responsáveis por nos colocar em contato com o que se passa à nossa volta (ou dentro de nós, em nossos órgãos internos). A quantidade de informações a que temos acesso em poucos segundos é enorme e, por maior que seja a habilidade do nosso cérebro de processar dados, não seria possível analisar todos eles. Por esse motivo, somos dotados da capacidade de, não apenas filtrar as informações que nos chegam, como também de selecionar as que se mostram relevantes, priorizando sua análise em relação às demais.  A maneira como agimos é influenciada por essa capacidade seletiva. Depois de passar pelos sistemas sensoriais, as informações são processadas e identificadas. Conforme for, podemos voltar nossa atenção para algo que parece importante. Estarmos ou não atentos a algum evento pode afetar essa capacidade de captar informações e, consequentemente, de responder ao ambiente. Conforme as informações vão sendo registradas, construímos o repertório que guia nossos comportamentos. Com base nesse banco de dados, por exemplo, sabemos buscar as situações prazerosas e evitar as desagradáveis ou nocivas ao nosso bem estar físico ou psicológico.  Armazenar informações é a principal função associada à memória. Sem ela, não aprendemos novas habilidades, idiomas e trajetos. A memória é a espinha dorsal da nossa consciência. É ela que te faz saber quantos anos você tem; ou em que dia, mês estamos. Como você conversaria com seus amigos se não conseguisse se lembrar quem são aquelas pessoas, ou o que lhe foi perguntado há alguns minutos? É por nos lembrarmos de experiências passadas e das pessoas com os quais nos relacionamos que somos capazes de estabelecer uma lógica sequencial de eventos em nossa vida, e também de criar uma ideia linear e coesa de quem somos, quais os nossos valores, planos, desejos e medos. A habilidade de construirmos mentalmente um senso de nossa própria história, recorrendo a fatos e aprendizagens, nos faz conservar nossa identidade.

Lembrando a história

Os estudos sobre como armazenamos informações começaram há mais de um século. Rever esses acontecimentos nos dá um verdadeiro mergulho nas técnicas usadas pela neurociência para chegar ao conhecimento sobre o funcionamento do cérebro e seu impacto no comportamento humano.  As primeiras pesquisas demonstraram que, ao contrário do que se imaginava, a memória não é uma função unitária, mas, sim, está associada a pelo menos outros dois processos. O primeiro (chamado de memória primária) se refere ao “presente psicológico”: são aquelas informações que mantemos em mente por pouco tempo e, em geral, apenas uma pequena quantidade de informações. O segundo (memória secundária) diz respeito ao “passado psicológico”: a capacidade de lembrarmos de eventos antigos.  Na década de 1950, cientistas demonstraram que as duas memórias ocorriam em estruturas cerebrais diferentes, sendo que a primária teria capacidade limitada, enquanto a secundária teria um potencial ilimitado de armazenamento de informações. Atualmente, chamamos a memória primária de “memória de trabalho” e a secundária de “memória de longo prazo”. Ambos os processos são fundamentais para a aprendizagem.  Mas o que é aprendizagem e qual a diferença entre memória e aprendizagem? Chamamos de aprendizagem a capacidade de adquirir um conhecimento ou habilidade. Podemos aprender a realizar uma tarefa e manter esse conhecimento por algumas horas, para depois esquecê-lo. Ou podemos reter esse saber por toda a vida. O que determina isso é a nossa memória: nossa capacidade de consolidar essa informação em nossos arquivos duradouros.

Marina von Zuben é Neurocientista docente e pesquisadora do Hospital das Clínicas da USP, e Chief of Neuroscience and Learning da Bossa.etc