O corpo fala: o que dizemos sem palavras

Sheldon Cooper é um dos mais queridos personagens da série The Big Bang Theory. Uma das características mais marcantes desse excêntrico cientista é sua total falta de traquejo social, comportamento muitas vezes associado à incapacidade de compreender elementos comunicativos implícitos, como ironia e sarcasmo. Por causa dessas dificuldades, Sheldon depende da boa vontade e compreensão dos amigos, que acabam “explicando a piada” quando ele não consegue ler nas entrelinhas. Sheldon representa um indivíduo com um Transtorno do Neurodesenvolvimento, antes chamado de Síndrome de Asperger: um quadro do Espectro do Autismo frequentemente associado a altas habilidades cognitivas e marcada dificuldade de interação social e comunicação, embora não lhe faltem recursos de expressão verbal. Crianças com Síndrome de Asperger podem, inclusive, aprender a ler e escrever em idades bastante precoces, e muitas se comunicam como adultos, com um repertório verbal tão rebuscado que as fazem soar como a miniatura de um adulto culto, quase pedante.

O corpo fala...

Assim como compreender ironias, ler o colorido emocional e intencional de uma fala requer a análise de aspectos da comunicação que não se restringem ao conteúdo verbal do discurso. Quantas vezes não observamos alguém dizer algo enquanto seu corpo diz exatamente o contrário? A fala procura passar autoconfiança, mas a insegurança transparece no olhar, na postura corporal ou na voz hesitante. Conseguimos perceber essas nuances e sutilezas da comunicação porque somos dotados de um aparato que nos permite associar todos os elementos que compõem a comunicação: fala, entonação, ritmo, postura corporal, gestos, expressões faciais e comportamentos. A partir dessa associação, interpretamos a mensagem. A absorção e interpretação dessas informações afetam nossa capacidade de agir de maneira adequada à situação e/ou ao contexto social. A linguagem corporal pode ser útil na identificação, por exemplo, das intenções implícitas no discurso. Embora nos apoiemos com mais frequência na comunicação oral para receber informações, a linguagem corporal é importante porque expressa aspectos como sentimentos e emoções. Essa forma de comunicação não verbal, especialmente alguns gestos e movimentos, podem ser indispensáveis para expressar claramente uma mensagem.

... e nós ouvimos

A literatura científica sugere que somos, na verdade, mais impactados pelas informações que recebemos de maneira não verbal. Os números indicam que aproximadamente 50% da comunicação é baseada em linguagem corporal e outros 40% estariam relacionados ao tom de voz e não ao conteúdo propriamente dito, o que significa que só cerca de 10% da informação que recebemos está relacionada ao conteúdo verbal. Podemos pensar que isso pode ser difícil quando se está ao telefone, por exemplo, mas um estudo da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, sugere que nossos gestos ressoam em nossas vozes, mesmo quando não estamos diante uns dos outros. No estudo, os participantes foram capazes de deduzir quais movimentos estavam sendo feitos pelo emissor da mensagem mesmo sem ver o interlocutor! Ou seja, nós temos a capacidade de perceber gestos, inclusive sutis, mesmo sem vê-los. Presencialmente, a leitura da linguagem corporal baseada em postura, gestos e movimentos pode parecer fácil, mas trata-se de um processo complexo, que envolve regiões cerebrais específicas e redes neurais responsáveis por decodificar as expressões corporais e atribuindo a elas significado adequado. Na verdade, o cérebro tem diversas regiões especializadas no processamento de informações socialmente relevantes. Esse circuito envolve não apenas áreas responsáveis pelo processamento de informações visuais, mas também regiões associadas ao processamento de emoções e outras ao planejamento e execução de ações. Embora os dados científicos sobre a leitura e interpretação da linguagem corporal não sejam ainda consistentes, os estudos já demonstraram que o processamento de expressões faciais se dá não apenas de maneira automática, mas também sem a necessidade de atenção consciente. Isso significa dizer que identificamos e reagimos a emoções presentes nas expressões faciais, muitas vezes sem nos darmos conta disso. Esse aspecto parece ser mais evidente em relação a algumas emoções do que em outras, como o medo, por exemplo. Os estudos também mostram que tendemos a reagir de forma mais explícita à linguagem corporal do interlocutor quando ela expressa alegria em vez de tristeza, devido à ativação de regiões cerebrais específicas. Também sabemos que homens e mulheres processam a linguagem corporal de maneiras diferentes.  Por exemplo: em resposta a estímulos emocionalmente aversivos, algumas regiões cerebrais reagem mais ativamente nas mulheres do que nos homens.

A empatia e a comunicação

Uma das principais ferramentas de que dispomos para fazer essa leitura pessoal e social da comunicação, seja ela verbal ou não verbal, é o que chamamos empatia. Empatia é a capacidade de entender ou sentir o que outra pessoa está sentindo, assumindo a perspectiva dela e não a sua própria. É como ser capaz de atribuir ao comportamento de alguém uma crença ou emoção, mesmo que ela seja diferente da sua. A construção dessa capacidade se baseia nas experiências que tivemos ao longo da vida e que nos permitem identificar esses elementos em outras pessoas. Essa é uma das principais dificuldades de pessoas com quadros do Espectro do Autismo, embora não seja uma limitação restrita a eles. Quem nunca presenciou alguém agir de maneira rude, insensível ou constrangedora com outra porque não foi capaz de se colocar no lugar dela e ajustar seu comportamento? O nível de empatia pode influenciar a maneira como nosso cérebro identifica e processa as emoções presentes na comunicação: participantes de estudos que se autoclassificaram com alta empatia revelaram maior ativação das áreas associadas à interpretação de emoções. Importante considerarmos que a leitura emocional e a nossa capacidade de detectar esses sinais são fundamentais para que sejamos capazes de adequar nosso discurso a diferentes públicos. Em resumo, exercite a sua habilidade de “calçar os sapatos” do seu interlocutor, assim será mais fácil escolher a melhor forma de expor a ele o que se deseja de forma clara e despertar nele o que se espera. Procure explorar as diversas formas de se comunicar: gestos, entonação, ritmo, assim sua fala fica repleta de elementos que favorecem o seu entendimento e, consequentemente o alcance esperado da sua mensagem. Não se esqueça de que a comunicação recheada de conteúdos emocionais atinge quase automaticamente seu interlocutor, o que lhe permite ditar o clima em que sua mensagem será recebida.

Marina von Zuben é neurocientista docente e pesquisadora do Hospital das Clínicas da USP, e Chief of Neuroscience and Learning da Bossa.etc