No primeiro capítulo desta série, falamos sobre a formação do autoconceito. Discutimos a importância das nossas relações mais precoces e do olhar do outro nessa formação. Neste segundo artigo sobre autoimagem, vamos entender a Síndrome do Impostor. Por que algumas pessoas são incapazes de reconhecer seus próprios méritos? O psicólogo Erik Erikson, criador de uma das teorias do desenvolvimento da personalidade, defendeu que o ambiente que nos cerca desde a infância seria crucial para a promoção do amadurecimento, além de ser importante fonte de autoconsciência e identidade. Ao longo dos anos, todos nós vivemos experiências de sucesso e fracasso, de riscos compensados e outros nem tanto. Tanto o modo como nos sentimos quanto a maneira como somos avaliados pelos outros nessas diferentes situações contribuem para a formação do nosso senso de autoconfiança e autoeficácia, o que afeta nossa convicção de sermos capazes de realizar uma determinada tarefa. Algumas pessoas parecem mais sensíveis às falhas e tropeços, mostrando-se mais gravemente afetadas pelos insucessos do os mais resilientes. A Síndrome do Impostor, por outro lado, descreve indivíduos com alto desempenho que, apesar de seu sucesso objetivo, falham em reconhecer seus feitos, duvidam de si mesmos de maneira persistente e temem serem expostos como uma fraude ou um impostor. Pessoas com a Síndrome têm dificuldade de atribuir seu desempenho a sua real competência. Elas associam o próprio sucesso à sorte ou à ajuda de terceiros e consideram suas falhas como evidência de sua inadequação.
Esse fenômeno psicológico foi descrito pelas pesquisadoras Pauline Clance e Susanne Imes em 1978 e tornou-se conhecido após a publicação do livro de Clance em 1985. A autora originalmente identificou a Síndrome entre mulheres profissionais de alto desempenho, mas as pesquisas recentes têm documentado esses sentimentos de inadequação presentes igualmente entre homens e mulheres, em diferentes ambientes profissionais e entre múltiplos grupos étnicos e raciais. A Síndrome do Impostor não é um transtorno psiquiátrico reconhecido como tal, portanto não aparece descrito nos manuais estatísticos e diagnósticos ou na Classificação Internacional de Doenças. No entanto, ela tem sido associada com frequência cada vez maior a quadros psiquiátricos como ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas somáticos e disfunções sociais. Alguns estudos com estudantes do ensino médio mostraram ainda uma correlação entre Síndrome e depressão e tentativas prévias (ou pensamento recorrente) de suicídio. Importante destacar que esses dados não necessariamente indicam que a Síndrome do Impostor seria a causa dessas condições, mas que existe uma relação entre elas. Ou seja, sentir-se um impostor pode ser um sintoma ou uma comorbidade (condição simultânea), e não o agente causador da depressão.
Um importante estudo destaca que a maioria das pesquisas sobre este tema tende a olhar a Síndrome numa perspectiva individual, considerando apenas o sujeito e suas características como fonte do desenvolvimento do sentimento de fraude. Mas os autores defendem que indivíduos não existem em um “vácuo social” e que, claramente, o contexto e feedbacks sociais são importantes para determinar como nos sentimos sobre nós mesmos. Não é difícil estabelecer a ligação entre a Síndrome do Impostor e mulheres e alguns grupos étnicos como fizeram alguns estudos iniciais sobre o tema, tendo em vista que eles são vítimas frequentes de estereotipagens negativas. Um exemplo: poderíamos concluir que, em função do estereótipo do líder estar relacionado a características tipicamente masculinas, mulheres que alcançam cargos de liderança podem não ver em si mesmas essas características e, portanto, sentem-se inseguras, inadequadas ou insuficientes. No entanto, é importante considerarmos que esse sentimento somente existiria em culturas em que esses sinais sociais do estereótipo do líder com atributos masculinos estejam de fato sendo enviados às mulheres. Esta abordagem explicaria, inclusive, por que alguns estudos falham em identificar diferenças na prevalência da Síndrome do Impostor entre homens e mulheres, já que a frequência de “impostores” estaria mais relacionada ao contexto social e não a características individuais específicas. O mesmo pode ser entendido quando se considera as minorias étnicas ou raciais: inseridos em contextos culturais que se valem de estereótipos (“São lerdos, preguiçosos, são menos inteligentes, não têm potencial”), esses indivíduos têm maiores chances de desenvolver a Síndrome do Impostor, o que estaria, portanto, mais relacionado à resposta social experimentada por eles do que a uma fragilidade relacionada ao grupo étnico a que pertencem. Outro aspecto relevante se refere ao fato de que, em níveis mais específicos como no ambiente restrito das empresas e instituições, faltam representações que garantam a mulheres e minorias étnicas e raciais modelos de sucesso profissional e remuneração equivalente à de seus pares pelo trabalho desempenhado. Isso aumenta a sensação de não merecimento quando esses indivíduos alcançam posições de maior destaque, podendo aprisionar-se na sensação de que foram favorecidos de alguma maneira ou de que o sucesso será interrompido quando forem desmascarados. Assim, voltamos ao nosso primeiro capítulo e à Rainha Má e seu espelho, reforçando a importância do outro na forma como nos enxergamos e a relevância dele na constituição do que sabemos de nós e da maneira como nos percebemos e posicionamos socialmente.