O ator autista Timothy Wilson guarda na mente uma profusão de nomes de atores, diretores, filmes e séries graças à sua excelente memória. Ele estreou na carreira em grande estilo, interpretando Ezequiel no filme Fogaréu, de Flávia Neves. Sua atuação segura e comovente rendeu-lhe o prêmio de melhor ator coadjuvante no último Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Nesse depoimento à Et cetera, Tim, como prefere ser chamado, fala sobre a relação com o cinema, os bastidores das gravações e a vida no espectro do autismo.
Depoimento:
Eu nasci em Nova York por acaso. Meus pais estavam trabalhando lá, e acabei ficando na cidade até meus 12 anos. Em 2008, mudei com minha mãe para o Rio de Janeiro. Ela me criou assistindo a séries e filmes, desde muito novo. Quando eu era adolescente, já tinha um grande interesse pelo cinema e pela televisão, mas não pensava em ser ator. Assistia a muitas comédias e seriados cômicos, meu sonho era ser comediante.
Aqui no Rio eu completei o ensino médio junto com um curso técnico em hotelaria. Como sou bilíngue, fui chamado para trabalhar no Hilton, mas não deu certo porque era na Barra da Tijuca, muito longe para mim. Eu não gosto de andar sozinho em lugares que não conheço, fico com medo. Moro no Catete com a minha avó, então eu sei andar por aqui e no Flamengo. Sei onde estão os locais que frequento, a loja que vende meu biscoito preferido, restaurantes, cinema. Por aqui, saio e volto para casa sem problemas.
Não sei direito quando me descobri como autista. Eu fiz uns testes quando era criança, só que eles não indicaram diagnóstico de autismo, era outra coisa. Acho que foi na adolescência que me deram um laudo informando que eu era autista. Esse papel me serviu depois, na época que eu tive de me alistar para o exército. O laudo acabou me dispensando e foi bom, eu não queria servir. Eu não ia sobreviver lá.
Um dia, por acaso, minha avó leu no jornal um anúncio sobre uma oficina de teatro para autistas. Eu me inscrevi e comecei a frequentar o curso. A Flávia [Neves, diretora do longa Fogaréu] foi um dia assistir à oficina e me viu improvisando piadas, fazendo trocadilhos. Ela gostou do meu humor e me convidou para fazer um teste. Na terceira vez que li o texto do teste, já decorei. Tenho muita facilidade para decorar coisas, é uma das características do meu autismo. Eu fiz o teste e ela me disse que o papel era meu! Virei ator no meu primeiro teste.
Durante as gravações, no interior de Goiás, me senti extremamente acolhido. Todos me ajudaram porque eu não consigo andar sozinho numa cidade nova, me perco. E também sou muito branquelo, então eles ficavam de olho em mim para eu não me queimar porque estava muito calor lá. O pessoal da produção fazia chá mate para mim. Aqui no Rio, eu tomo muito chá mate gelado, uma garrafa grande por dia, eu adoro. Na hora das gravações, a diretora ou seu marido sempre me ajudavam a olhar para os pontos certos. Isso foi um desafio pra mim porque eu tenho dificuldade em manter contato visual, mas deu tudo certo. Muita gente me pergunta qual foi minha inspiração para fazer o Ezequiel, mas eu não consigo dar a resposta, não consigo identificar uma inspiração. Falam que ele faz piadinhas no filme, mas eu o acho sério.
No dia da estreia do filme no festival [de Cinema do Rio de Janeiro, em outubro], a Flávia me deu os convites e eu fiz questão de chamar uma amiga minha, a Bel. Eu queria muito que minha melhor amiga estivesse presente. Ela é filha de uma amiga da minha mãe, nos conhecemos desde a infância, e ela é autista como eu. Minha mãe e minha avó já viram o filme, mas meu pai ainda não. Eu espero que o filme passe nos Estados Unidos para ele e minha irmã poderem ver também. Meus amigos de lá ficaram felizes quando viram nas redes sociais que eu me tornei ator, mandaram mensagens bacanas, mas eu não consigo me comunicar por Facebook. Não sou muito bom de puxar assunto a distância, só consigo conversar pessoalmente. Sou o contrário do que as pessoas acham do autista, sou muito social, consigo interagir bem. Mas eu tenho que prestar atenção porque eu falo muito, não sei quando devo ficar quieto.
Eu nem sabia que o Festival de Cinema do Rio tinha prêmio, pensava que fosse apenas uma mostra com vários filmes. No dia da festa da premiação, quando anunciaram meu nome e me chamaram no palco, foi uma surpresa enorme. Logo no meu primeiro filme, eu ganhei um prêmio. Nem acreditava! Foi o único prêmio que o nosso filme recebeu, foi uma honra. Depois me perguntaram se eu tinha ensaiado o discurso. Como eu iria ensaiar se eu nem sabia que ia ganhar? Foi tudo improviso.
Acho que esse prêmio abre oportunidades para outros autistas. Não tem atores autistas. Nem fazendo eles mesmos, personagens autistas. É sempre um ator fingindo ser autista, como Tom Hanks, em Forrest Gump, que, apesar disso, é meu filme preferido. São vários momentos importantes da história vistos por um autista. Mostra que os autistas podem participar de grandes momentos, podem fazer parte da história também.
O prêmio mudou a minha vida. Faço entrevistas toda semana, recebo convites. Fui até chamado para fazer um cadastro e um teste na Globo, não tenho certeza se vou trabalhar lá, mas pode acontecer. Uma produtora entrou em contato comigo e mandou um texto para eu fazer um teste. Eu li três ou quatro vezes e já decorei. Tenho sorte de ter uma memória boa, muitos autistas têm facilidade em memorizar muitas coisas, essa é outra vantagem do autismo. Minha avó me ajuda, ela imprime os textos com letras grandes, para facilitar para mim.
Eu sei que é um privilégio poder realizar meu sonho, sei o que isto representa para autistas como eu. Eu gostaria de finalizar deixando um recado para outros autistas: não tenham medo de ser vocês mesmos. Não tentem mudar por causa dos outros, sejam apenas vocês.
A entrevista com o artor Timothy Wilson foi publicada na edição 10 da revista Et cetera. Leia aqui.