É mais fácil compreendermos os efeitos de nossas ações quando elas geram uma resposta imediata. O psicólogo americano B.F. Skinner (1904-1990) já falava disso: quando as consequências de uma ação são apresentadas logo após essa ação, estabelecemos mais facilmente a ligação entre ato e efeito. Isso também vale para os nossos comportamentos supersticiosos: associamos dois eventos não relacionados (passar embaixo da escada dá azar) simplesmente porque um pensamento ou uma ação (passar embaixo da escada) antecedeu um episódio (algo de ruim acontece comigo).
Olhando por outro ângulo, as ações que geram consequências menos diretas e/ou imediatas podem ser vistas como inofensivas, ou pouco eficazes, já que não acarretam um efeito que possa ser temporalmente associado a elas. Assim, nosso funcionamento "automático" ou inconsciente (no sentido de pouco atento) impõe uma certa dificuldade de entender o que se passa conosco como processo, como algo em construção que terá consequências no futuro.
Em meu trabalho com idosos, vejo a importância de uma trajetória de vida saudável para um envelhecimento saudável. Para a maioria das pessoas, no entanto, é difícil manter em mente que nossas ações ao longo da vida (na infância, na adolescência e especialmente na idade adulta) determinam como chegamos à velhice. Temos mais facilidade de aceitar a relação causal entre a comida de procedência duvidosa e a dor de barriga (e, assim, regular esse comportamento) do que entre o cigarro e o câncer... Afinal, quantos cigarros (semanas, meses, anos) serão necessários para que se enfrente as consequências de fumar?
Dessa forma, vamos fazendo adaptações que parecem inofensivas, muitas vezes porque não estabelecemos uma relação causal direta entre elas e o que enfrentaremos no futuro ou em outras esferas de nossas vidas. A privação de sono é prejudicial ao nosso corpo como um todo, e mais marcantemente em nosso funcionamento cognitivo, mas insistimos em agir como se fosse possível dormir apenas 3 ou 4 horas por noite ao longo da semana e passar o domingo na cama para recuperar o sono perdido. Como se um único dia fosse capaz de desfazer as injúrias sofridas pelo organismo ao longo dos vários dias mal dormidos.
Outra questão nem sempre óbvia é que somos fruto também do ambiente em que estamos inseridos. Normatizamos coisas porque as vemos acontecer com frequência diante de nós. Assim, ficam estabelecidas normas implícitas e expectativas sociais sobre quem eu sou e o que é adequado fazer. Um bom exemplo é o efeito de campanhas publicitárias sobre nosso senso estético: mulheres e homens bonitos têm uma determinada estatura, cor de pele e cabelo, uma maneira de vestir. Ainda seguindo esse exemplo, tendemos a avaliar a beleza a partir de algo que sequer está muito claro para nós, pois nem sempre estamos cientes de que somos influenciados por um senso estético que nos foi apresentado e cultivado. Nessa direção, se meu Instagram diz que alguém bem-sucedido precisa trabalhar, ler, estar com a família, treinar, meditar e passar férias naquela praia, parto desse parâmetro para regular meu ideal de sucesso e pertencimento. As últimas gerações têm estado cada vez mais expostas a essas (e nessas) redes, que têm se tornado termômetros sociais que balizam suas ações e a maneira como se constroem as relações pessoais, profissionais etc.
A maneira como essas redes funcionam contribui para trazer para a cena o imediatismo. Aquele mesmo que funciona tão bem para nos ensinar a nos comportarmos. As “curtidas” e compartilhamentos daquilo que é atraente aos olhos do outro regulam meu comportamento. E passo a depender deles para validar minhas ações, deixando escapar o que é essencial para mim. Qual o custo financeiro e emocional para alcançar esses likes? Não é possível calcular porque trata-se de um processo gradual, que não se dá na primeira ausência a um programa familiar ou noite mal dormida, mas em uma sucessão de eventos. Já a "curtida" é imediata, inexorável, abandono travestido de sucesso.
Partindo disso, as relações que já tinham essa configuração distanciada, automatizada e, portanto, pouco consciente, não foram apenas amplificadas com a pandemia. Elas foram expostas. Os desconfortos estavam todos ali, passeando de pijama pela sala, querendo brincar na hora da reunião importante, latindo porque ouviu o interfone. Estavam na internet ruim, na sala mal arrumada, na iluminação insuficiente. A pandemia escancarou as cortinas, revelou os bastidores e pegou os atores com as fantasias decompostas.
Agora, além da necessidade real e concreta de lidar com aquilo que não víamos antes por estarmos distantes, precisamos lidar com nossa própria cegueira, com o tempo perdido, com a falta de recursos (pessoais, emocionais). Com as relações que se explicitam desgastadas e malcuidadas. Não sabemos negociar, tolerar, adaptar. Agimos até aqui como se fosse possível manter o funcionamento sustentado pela fantasia, pelo cenário elaborado, pelas muletas.
Acho simbólico que, no início da pandemia, as pessoas temessem que faltasse papel higiênico. Tem tudo a ver, em um momento como esse, nos voltarmos ao que há de mais primitivo em nós. A pandemia nos expôs o limite: da vida, da saúde (nossa e do sistema), do tempo, da tolerância, das relações. E o limite nos exigiu restabelecer as redes (mais sociais do que nunca) em busca de soluções comuns, seja no âmbito comunitário (social), familiar e profissional.