Até aqui, mostramos o que é memória, como ela funciona e de que maneira nosso cérebro se encarrega de armazenar as informações. No último capítulo da série, vamos dar dicas para melhorar o funcionamento da memória e potencializar nossa capacidade de aprender.
O psicólogo russo Alexander Romanovich Luria, considerado o pai da avaliação neuropsicológica moderna, disse em 1973 que as funções cerebrais não poderiam ser atribuídas exclusivamente a regiões específicas do cérebro, contrariando o que se estabelecia desde meados do século XVIII. Segundo Luria, assim como a orquestra resulta do funcionamento de todos os instrumentos musicais, as funções cognitivas seriam o resultado da conexão entre diferentes estruturas cerebrais. Para ele, o cérebro também funcionaria em concerto.
Os atuais estudos da neurociência sobre o cérebro e as funções cognitivas têm demonstrado que, embora existam áreas especializadas em realizar algumas funções, seu funcionamento é realmente influenciado por conexões de variadas estruturas.
Com a memória, não é diferente. Para que possamos armazenar informações de forma eficiente, é necessário que haja condições favoráveis a esse armazenamento. Imagine uma situação em que você está cozinhando enquanto fala ao telefone com uma amiga; seu filho, ignorando sua conversa, te chama para avisar que está de saída e que retornará às X horas; ao mesmo tempo em que na TV é anunciado um atentado a poucos quilômetros de sua casa. A cena descreve uma sucessão de eventos relevantes: a comida que não pode ser queimada, a conversa ao telefone com a amiga, o filho que você precisa saber onde está indo e o atentado que pode colocar em risco você e a sua família.
A atenção é a função cognitiva responsável por filtrar, diante da enorme quantidade de estímulos a que estamos expostos, aqueles que devem ser priorizados para um processamento detalhado e, eventualmente, para posterior armazenamento. Ela é também um dos fatores de maior influência no funcionamento de nossa memória.
Parece óbvio que, se não prestarmos atenção em uma informação, dificilmente seremos capazes de evocá-la. Por isso é comum que pessoas com problemas de esquecimento estejam, na verdade, com dificuldade de atenção. Na situação acima, você certamente não seria capaz de lembrar de detalhes da notícia, ou do horário que seu filho irá voltar. É provável que até a comida não fique tão boa quanto se você tivesse se dedicado a ela. O fato de ter dividido a atenção entre vários estímulos comprometeu a retenção da informação total, dando margem inclusive a distorções no registro.
Há uma íntima relação entre atenção e memória. A primeira exerce papel fundamental na codificação das informações que serão consolidadas. Em contrapartida, os dados armazenados serão usados por nossos sistemas atencionais na hora de decidir corretamente sobre a relevância de uma informação a ser filtrada em meio às outras menos importantes.
Essa é a primeira dica: foco é fundamental para que possamos memorizar informações ou adquirir conhecimentos e habilidades. Sempre que dedicamos suficiente atenção ao que estamos fazendo, favorecemos nossa capacidade de armazenamento, facilitando a retenção de detalhes e criando memórias mais ricas sobre a experiência vivida. Isso também significa que, embora sejamos dotados do que chamamos de “atenção dividida” (a capacidade de dedicar atenção a duas atividades simultaneamente) e “atenção alternada” (a habilidade de alternar a atenção entre estímulos), algumas atividades e informações requerem dedicação integral se desejamos apreendê-las completamente. Portanto, se a atividade ou assunto for importante, dedique-se exclusivamente a ela e evite interrupções.
A capacidade de atingir uma meta está ligada às nossas funções executivas, que envolvem: formular hipóteses pertinentes, planejar, monitorar o próprio comportamento, mudar o foco quando necessário (flexibilidade mental) e controlar os impulsos e comportamentos automatizados. A falha no funcionamento dessas capacidades cognitivas pode provocar queixas de memória, algumas bem comuns, como: onde deixei as chaves? Meus óculos estavam aqui agora mesmo, onde será que estão? Onde deixei meu cartão de crédito?
Dificuldades de nos organizarmos, ou a ausência de um bom planejamento para as atividades diárias, podem fazer com que tenhamos de dedicar maior atenção a detalhes superficiais para que possamos nos lembrar deles. Por exemplo: embora o lugar das chaves não seja a informação mais relevante do dia, se elas não têm um lugar certo para serem colocadas, a chance de não me lembrar de onde as deixei é maior -- não porque minha memória está ruim, mas porque certamente as larguei em algum lugar pelo caminho, sem que estivesse atenta a elas naquele momento.
A segunda dica é: tenha um lugar certo para as coisas, respeite a rotina como um hábito e iniba os impulsos de fazer as coisas automaticamente. Essa é uma forma de exigirmos menos de outras funções, como a memória, e podermos nos lembrar de detalhes cotidianos (chaves, óculos, celular etc.) rapidamente, permitindo dedicarmos tempo e memória para aquilo que realmente interessa. Portanto, organize-se, tenha uma forma funcional de lidar com objetos pessoais, anotações de recados, lembretes e afazeres para que possa tê-los à mão quando precisar. Isso não sobrecarrega a memória, que vai evocar facilmente essas informações quando você precisar.
Enquanto essa organização não acontece, o que costumamos fazer quando esquecemos onde deixamos alguma coisa? O hábito de refazer o caminho mentalmente é útil para tentarmos nos lembrar da última vez em que utilizamos aquele objeto. Essa é uma das formas de ajudarmos a nossa memória a juntar as peças desse quebra-cabeça e relacionar o objeto ao lugar em que foi deixado. Associações são o principal mecanismo por meio do qual armazenamos informações. Tudo o que aprendemos ou acessamos pela primeira vez, será mais facilmente retido quando encontrar conexão com alguma outra coisa que já estava guardada em nossa memória. Portanto, aqui vai a terceira dica: a associação favorece a atribuição de significado ao conteúdo novo, aproximando-o de experiências familiares - o que o torna mais atraente e relevante o suficiente para ser armazenado.
Nos tempos atuais, os algoritmos das redes sociais se retroalimentam de nossos hábitos, de maneira que somos cada vez mais expostos a opiniões, hábitos e gostos semelhantes e produtos que nos sejam atraentes. Com a memória, acontece um processo semelhante: trabalha em uma área que discute uma quantidade limitada de assuntos, se interessa somente pela leitura de temas específicos, e tem amigos que gostam de um determinado esporte. Fatalmente, a restrição de seu repertório de experiências representará uma limitação em sua capacidade de associar informações novas com as já armazenadas. Isso pode implicar em um maior esforço para memorizar ou mesmo para aprender conteúdos novos.
Por outro lado, se você tem um repertório de experiências que passe por diferentes gostos musicais e esportivos, leituras (mesmo que superficiais) sobre diferentes áreas do conhecimento e contato com diferentes culturas, as chances de que as novas informações encontrem um caminho de conexão com o que você já tem de experiência é infinitamente maior. Na realidade, nosso cérebro pode lançar mão de vivências como as que você já tem para traduzir uma informação nova, usando-a como um modelo mais familiar para auxiliar na compreensão do conteúdo inédito. Fica aqui então a quarta e última dica: explore o mundo à sua volta. Quanto mais ricas e diversas forem suas experiências, maior seu repertório conceitual e de habilidades, o que proporciona maior adaptabilidade e capacidade de aprender.